A Irlanda e a Liga Agraria
é necessario fallar da Irlanda, fallar da Liga Agraria, fallar de Parnell...
Ha seis mezes que este homem, esta associa??o, essa ilha inquieta, s?o o cuidado supremo, a preoccupa??o pungente da Inglaterra e de tudo o que em Inglaterra pensa, desde os homens de Estado até aos caricaturistas. E dentro em breve o sentimento europeu, o sentimento universal, vae-se exaltar pela quest?o da Irlanda, como outr'ora pela quest?o da Polonia.
A quest?o da Polonia! oh saudosos dias passados! Foi esse um dos meus primeiros enthusiasmos! N'esse tempo, ser polaco era synonimo de ser heroe: e a fórma mais usual da paix?o, n'uma alma de vinte annos, n?o consistia no desejo de se subir ao balc?o de Julieta, mas de partir e ir tomar as armas pela Polonia. Em Coimbra, sempre que nos reuniamos mais de quatro amigos, faziamos logo esse projecto, gritando: -Viva a Polonia! Os jornaes transbordavam de poemas á Polonia e de injurias ao Urso do Norte! Empenhavam-se batinas e compendios para soccorrer a Polonia, em subscrip??es enthusiasticas. Em beneficio da Polonia eu representei muito melodrama em que ora, virgem trahida e vestida de branco, solu?ava com as minhas tran?as soltas-ora, traidor, soltando gargalhadas cynicas, cravava um ferro no peito de Condé!
Por fim n?o eramos mais insensatos do que o povo de Paris em 1848, marchando em prociss?o a reclamar do governo provisorio a liberta??o da Polonia. ?Mas é uma guerra com a Russia, é um conflicto europeu!? diziam os prudentes. E os enthusiastas respondiam: ?N?o tem duvida; a Fran?a é o Messias, é a salvadora dos opprimidos: a Fran?a é o Christo das na??es; sendo necessario, deve morrer por ellas.?
Mas desde 1848 muita agua tem passado sob as pontes, como dizem em Paris: e mesmo muito sangue.
Por estes tempos de opportunismo e de naturalismo, a pobre Irlanda n?o inspirará jámais o culto piedoso que votamos outr'ora á Polonia.
De resto a Polonia e a Irlanda constituem dois casos differentes. é certo, porém, que vistos de longe, atravéz da nevoa lacrimosa da sentimentalidade, offerecem similitudes. A Irlanda póde talvez considerar-se uma Polonia constitucional: ha aqui como na Polonia uma ra?a opprimida, cujo solo foi dividido entre os grandes vassalos, as familias historicas da na??o conquistadora, e que desde ent?o tem permanecido em servid?o agraria. Sómente na Irlanda o arbitrario e os abusos, que esta situa??o origina, s?o recobertos pelo regimen parlamentar de um bello verniz de legalidade: e a Irlanda soffre as miserias de um paiz vencido e explorado-mas dentro das fórmas constitucionaes.
O irlandez parece-se com o polaco em certos pontos: s?o ambos arrebatados, imprudentes, espirituosos, generosos e poetas. Como o Polaco, o irlandez catholico odeia o conquistador, sobretudo por elle ser heretico de nacionalidade, misturando com o odio politico o conflicto de religi?o. Como na Polonia, ha na Irlanda a legenda patriotica da independencia, das revoltas suffocadas, dos agitadores heroicos, legenda que falla á imagina??o popular tanto como a mesma religi?o, inspirando eguaes fanatismos, de tal sorte que o irlandez é t?o devoto dos seus santos como dos seus patriotas; como o polaco despreza o russo, assim o irlandez olha o anglo-saxonio como um barbaro e um estupido e tem por elle toda a antipatia desdenhosa que uma ra?a de improvisadores póde ter por uma ra?a de criticos e de analistas. Na ordem social, como na ordem domestica, ha entre a Polonia e a Irlanda outras curiosas afinidades. A ultima táctica da Irlanda, mesmo, é imitada da Polonia: a Irlanda vae apelar para a Europa e é Victor Hugo quem fallará em nome dela, n'um manifesto com o titulo de Opressor e Oprimido.
Mas a Inglaterra realmente n?o se parece com a Russia: nem mesmo atravéz da nevoa da sensibilidade, atravez da paix?o pela causa da Irlanda, o mais esclarecido dos liberalismos póde ser confundido com o mais bo?al dos despotismos. E todavia a Inglaterra, para n?o perturbar os interesses tyrannicos d'um milhar de ricos proprietarios, deixa na miseria quatro milh?es de homens. Tem todo o territorio irlandez occupado militarmente. Apenas um patriota come?a a ter influencia na Irlanda, prende o patriota. Quando a eloquencia dos deputados irlandezes se torna inquietadora, abafa-a, quebrando sem escrupulos uma tradi??o parlamentar de seculos. Vae governar a Irlanda pela Lei marcial, como qualquer czar. E, para suspender os planos da Liga Agraria, viola os segredos das cartas.
Esta quest?o da Irlanda apresenta-se t?o complexa, t?o confusa como o proprio chaos antes da grande fa?anha de Jehovah. Na Irlanda come?a por haver tres na??es distinctas com interesses contradictorios: os irlandezes catholicos, os irlandezes protestantes ou orangistas, os inglezes e proprietarios escocezes. A quest?o da propriedade é sem duvida a essencial: mas existem outras, a quest?o religiosa, a quest?o policial, a quest?o judicial, a quest?o municipal, etc., etc. E sobre cada uma d'estas quest?es é difficil achar dois irlandezes de accordo. Cada aldeia se torna assim um campo de batalha: e, como s?o eloquentes e sarcasticos, o grande fluxo labial, a paix?o do epigramma amplificam e azedam as dissens?es.
Mesmo dentro da egreja catholica, que deveria conservar a tradic??o da Unidade-tumultua a discordia: o clero parochial está em lucta com os dignitarios episcopaes: e é raro que o clero de um condado n?o divirja, de sentimentos e de predica, com o clero do condado visinho. No mundo dos patriotas revolucionarios n?o existe uma harmonia melhor: a Liga Agraria n?o aceita os Fenians, e os Fenians abominam as tendencias parlamentares dos Home-rulers: e dentro mesmo do partido dos Home-rulers ha democratas e conservadores. é um numeroso conflicto por toda a pobre Irlanda.
Os irlandezes dizem, porém, que se lhes fosse dada a autonomia, horas depois de declarada a Republica Irlandeza, todas estas quest?es se resolveriam de per si e o paiz seria como um mar que amansa e fica em equilibrio.
Até agora, porém, essa falta de unidade é adduzida justamente como evidencia dos perigos que teria essa autonomia.
Os inglezes pensam sinceramente que no momento em que a Irlanda sahisse de sob a tutela do bom senso e do saber inglez, no instante que essa ra?a impressionavel, excitada, fanatica e pouco culta fosse abandonada a si mesma, come?aria uma guerra civil, uma guerra religiosa, differentes guerras agrarias, que bem depressa fariam da Verde Erin um mont?o de ruinas n'uma po?a de sangue.
Se os irlandezes se n?o entendem bem sobre os males da Irlanda, os inglezes comprehendem-se menos ácerca dos remedios para a Irlanda. E a confus?o em que se está provém principalmente da abundancia da discuss?o. N?o ha villota, ou mesmo aldeia d'Inglaterra, que n?o tenha um jornal do tamanho da Gazeta de Noticias, com oito paginas e typo cerrado. E d'alto a baixo esta vastid?o de papel, desde que come?ou a agita??o da Liga Agraria, é occupada por estudos e artigos sobre a Irlanda. Multiplique-se isto pelas tres ou quatro mil gazetas que a pobre Inglaterra nutre sobre a sua epiderme: juntem-se-lhe os artigos dos Semanarios, dos Quinzenarios, das Revistas e dos Magazines, os pamphletos, as brochuras, os ensaios inumeraveis como as estrellas do céo, os livros e tratados de toda a sorte, os discursos do parlamento, as arengas dos meetings, as conferencias, os serm?es, as controversias publicas, as li??es, emfim, toda essa colossal litteratura que nestes ultimos mezes tem tomado por assumpto a Irlanda.
E digam-me se, com todo este mundo de informa??o, de discuss?o, de theorias, de projectos, de systemas, de opini?es, de imagina??es,-n?o é natural que o cerebro da Inglaterra esteja, n'esta quest?o da Irlanda, perfeitamente desorganisado. O meu está. Mas n'este cahos mental tenho illustres companheiros: o grande Carlyle costumava dizer que a sinceridade e a eleva??o de alguns patriotas irlandezes era a unica coisa nitida e clara que elle conseguia distinguir no escuro tumulto da confus?o irlandeza...
Ha tambem outra coisa que se percebe bem: é que a popula??o trabalhadora da Irlanda morre de fome, e que a classe proprietaria, os land-lords indignam-se e reclamam o auxilio da policia ingleza quando os trabalhadores manifestam esta pretens?o absurda e revolucionaria-comer!
Aqui está, por exemplo, Sua Gra?a o Duque de Leicester, para n?o citar outros de nomes menos sonoros: os seus rendimentos na Irlanda sobem a quatrocentos contos de reis-e o infeliz tem ainda uns duzentos contos mais das suas propriedades na Inglaterra! Este fidalgo, escuso talvez dizel-o, n?o soffre frio e n?o passa fome: por outro lado, a popula??o de rendeiros que trabalham as suas terras, e que com o seu suor e o seu esfor?o lhe arrancam do sólo este rendimento,-a unica cousa que realmente tem é fome e frio. Mas este anno tiveram mais fome e mais frio que de costume: e lá foram em farrapos, e com os pés nús sobre a neve, supplicar a Sua Gra?a, o Duque de Leicester, que lhes fizesse uma diminui??o de dez por cento nas rendas-exageradas, absurdas e devoradoras. Sua Gra?a respondeu (pela bocca dos seus administradores, naturalmente: por sua propria bocca um Duque inglez nunca falla sen?o com outro Duque) respondeu que as suas circumstancias n?o lhe permittem essa liberalidade-e que a repeti??o d'uma tal supplica n?o podia ser tolerada.
E os rendeiros de Sua Gra?a lá voltaram de cabe?a baixa, para o frio e para a fome.
Direi de passagem que se o pedido, em logar de ser feito pelos seus rendeiros da Irlanda, partisse dos seus rendeiros da Inglaterra, Sua Gra?a apressar-se-hia a satisfazel-o rasgadamente. é porque a Irlanda é um paiz conquistado, e, quando o proletario se queixa, a policia fila-o pela gola: mas, em Inglaterra, quando o operario inglez ergue a sua voz de le?o, a policia fica immovel, os Duques empallidecem, e o edificio monarchico e feudal treme nas suas bases.
Mas, a proposito de Sua Gra?a o Duque de Leicester (gozemos o mais tempo possivel esta illustre companhia: quand on prend du Duc on n'en saurait trop prendre) deixem-me dizer-lhes em resumo quaes s?o as rela??es agrarias entre um proprietario, um land-lord, e os seus rendeiros.
O sólo, é claro, pertence ao lord. Por que titulo n?o sei; talvez uma de suas avós, n'uma noite que estava mais decotada, attrahisse o inconstante olhar do amavel Carlos II, nos saráus galantes da Restaura??o: d'esse olhar provém, acaso, esta bella propriedade. O alegre Stuart era t?o generoso! tinha-se vivido t?o pobremente, t?o tristemente sob a dictadura puritana do Cromwell!... Depois, se Carlos II tinha pouco dinheiro, (o desgra?ado recebia uma mesada do rei de Fran?a!) n?o lhe faltavam terras na Irlanda. Trez leguas de pastos, ou de terreno aravel, por um beijo e os seus acessorios, n?o é caro para um Stuart. E para uma fraca dama ou para seu esposo é um famoso negocio. Note-se, por Deus, note-se que eu estou fazendo estas supposi??es sobre um typo de Lord abstracto. Nem toda a minha sympathia pelos trabalhadores irlandezes me levaria a suspeitar das purissimas senhoras da Casa de Leicester...
Como proprietario do sólo, pois, o Lorde arrenda-o ás familias que de gera??o em gera??o vivem nas suas terras: o irlandez prende-se ao sólo como uma arvore pelas raizes, e muitas vezes prefere morrer a abandonar um torr?o arido que o n?o nutre. A emigra??o irlandeza para a America sáe principalmente da popula??o operaria das cidades. Ora, nos contractos de renda, o homem de trabalho está absolutamente á mercê do senhor da propriedade.
O valor das rendas é puramente arbitrario. N?o ha typo de renda, baseado sobre a avalia??o das terras; existe o que se chama a avalia??o de Griffith, feita ha mais de trinta annos por o agronomo d'esse nome; mas esta avalia??o, equitativa e favoravel ao trabalhador, n?o é jamais aceitada pelos proprietarios. N'isto está a origem de todas as miserias da Irlanda; as rendas, absurdamente elevadas, absorvem todo o producto da terra, e o rendeiro escassamente póde viver, muito menos economizar.
Além do sólo, o proprietario deve fornecer a habita??o e os instrumentos de trabalho: se na fazenda n?o existe casa, ou se ella necessita repara??es, o land-lord dará naturalmente alguma madeira, uma m?o-cheia de prégos, um molho de colmo, para que o trabalhador erga a cabana miseravel, muito inferior, como conforto, aos curraes dos nossos gados; e a esta generosidade regia o land-lord juntará talvez um velho arado e um ferro de enxada. Mas estes dons s?o adiantamentos que elle sobrecarrega com pre?os duplos ou triplos do seu valor, e de que se faz embolsar por presta??es trimestraes.
N?o é possivel ser mais grandioso ou mais nobre.
Aqui está, pois, o rendeiro de posse de um tecto, de um terreno e de ferramenta. Parece que só lhe resta come?ar a cultivar.
Assim seria, se n?o fosse na Irlanda. Mas a natureza, m?e fecunda e amante, comporta-se aqui ainda peior que os lords: se a natureza tivesse assento na camara dos pares de Inglaterra, n?o seria mais aspera, mais hostil ao pobre e mais avara de si mesma. A natureza, quando n?o se apresenta ao trabalhador irlandez sob o aspecto de sólo pedregoso, mostra-se sob o aspecto de pantano.
Offerece-lhe de um lado um penedo, do outro um charco.
E diz-lhe com a sua ternura de m?e:
-Escolhe. De qual preferes tirar tu os meios de subsistencia?
O pobre irlandez o que preferiria era ir-se embora: mas como por toda a parte encontraria um proprietario egual, os mesmos pedregulhos e identicos lama?aes-fica. E é ent?o que se apresenta de novo a generosidade do Lord. Sua Gra?a está pronta (porque Sua Gra?a é compassiva) a escoar o pantano, a desempedrar o sólo, a fazer melhoramentos na terra. Sua Gra?a vae mesmo mais longe: Sua Gra?a (Deus o recompense!) offerece a semente. E mais ainda: Sua Gra?a (que as ben??os do ceu o vistam!) dá os adubos.
E aqui está um rendeiro feliz, que tem a casa, os instrumentos, a semente, os adubos... Sómente Sua Gra?a marca os pre?os que lhe convém aos melhoramentos feitos, á semente e aos adubos: e no fim do anno a renda que era originariamente de dez está em vinte e cinco! Como os terrenos s?o pobres, os invernos abominaveis, o pobre rendeiro n?o póde pagar: dirige-se ent?o ao agiota-ou ao Lord mesmo. E desde esse momento está n'uma rede de dividas, lettras, colheitas empenhadas, juros accumulados, protestos, o demonio-de que jámais se poderá desenredar. O resultado é previsto: o Lord (pelo seu agente) penhora-o, apossa-se do gr?o que está nos celleiros, do gado que está nos curraes, do pequeno bragal que está na arca, das arrecadas da mulher, das enxergas-e expulsa-o da casa e da propriedade-da casa que elle talvez construiu, da propriedade que elle com o seu trabalho melhorou! Tal qual como na meia edade.
Estas expuls?es, que se chamam evictions, s?o o terror irlandez. Que ha-de fazer um miseravel com mulher, crean?as, ás vezes uma avó entrévada, que se vê d'uma hora para a outra no meio de uma estrada, por um terrivel inverno, sem um farrapo para se cobrir, sem uma codea de p?o, sem casa, sem destino e sem esperan?a? E note-se que isto passa-se em regi?es como as da Irlanda, pouco habitadas, com um casal de legua em legua.
Esta falta de vizinhos torna estas expuls?es mais terriveis. Quantas milhas a caminhar sob a chuva ou sob a neve, com as crean?as chorando de fome, os doentes levados n'uma padiola, até que se encontre algum rendeiro mais feliz que ainda tem um canto de cabana onde azyle a familia errante! Mas por pouco tempo-porque todos s?o pobres, todos est?o endividados, todos amea?ados da expuls?o...
E durante esse tempo Sua Gra?a banqueteia-se, bebe Chateaux Margaux de 6$000 reis a garrafa, ca?a, etc.-e aluga a fazenda, d'onde expulsou o miseravel n.o 1, ao rendeiro n.o 2. Sómente o n.o 2, como a encontra melhorada pelo antecedente, paga-a mais cara: e depois de explorado, sugado, expremido, durante dois ou trez annos, é expulso-para dar logar ao n.o 3. Este infeliz passa pelo mesmo processo de tritura??o, et sic per omnia...
E as expuls?es s?o inevitaveis, porque, com a altura absurda das rendas, é impossivel que o rendeiro as possa pagar-e viver.
Isto, como comprehendem, é apenas um vago contorno da realidade, apontada nas suas fei??es essenciais.
Descendo-se a detalhes-vê-se ent?o uma horrorosa tréva de injusti?a e miseria.
Mas como pódem taes cousas passar-se no seculo XIX, e ao lado do povo inglez?
Como permitte uma na??o t?o justa a existencia de tanto oprobio?-dir-me-h?o.
Justamente essa pergunta a fazia Victor Hugo ha dias a Parnell, o chefe da Liga Agraria, na sua celebre entrevista. E eu responderei com as palavras de Parnell.
Taes cousas passam-se no seculo XIX. E o povo inglez n?o as sabia: pelo menos eram-lhe contadas de tal modo que, em logar de piedade, só sentia colera.
E isto é exacto. Os males da Irlanda eram conhecidos pela voz dos seus agitadores. Mas estes homens, desde O'Connell cometteram sempre o erro de misturar as queixas d'um proletariado opprimido ás aspira??es d'independencia nacional: de sorte que a Inglaterra n?o attendia á reclama??o dos trabalhadores pela irrita??o que lhe causavam as exigencias dos patriotas. O povo inglez n?o póde ouvir fallar em que a Irlanda se separe, e se constitua em republica: mas está prompto a ordenar que se lhe dê um justo regimen de propriedade.
O erro dos Fenians foi confundir a quest?o nacional com a quest?o agraria: o rendeiro miseravel apparecia ent?o aos inglezes com o aspecto de um rebelde á Uni?o; e envolvendo-os ambos no mesmo odio, porque lhes suppunha identicas ambi??es, suffocou sem discernimento, a voz que só pedia p?o e a voz que reclamava autonomia.
E todavia o povo inglez sentiu sempre instinctivamente que a Irlanda soffria. Muitas vezes pediu para ella uma reforma das leis agrarias. Era, porém, um pedir vago, sem cohes?o: mais a express?o de sensibilidades feridas do que a intima??o da vontade nacional.
De sorte que os parlamentos, sahidos das classes que têm interesse em manter a Irlanda na miseria, contentavam-se em fazer reformas de detalhes, reformas insignificantes e imperceptiveis, para dar uma satisfa??o á compaix?o ingleza: e o regimen antigo ficava inatacado como d'antes. Mas isto bastava para que alguns humanitarios dissessem com um suspiro de allivio: ?Emfim lá se fez alguma coisa pela Irlanda!? De facto n?o se tinha feito nada.
Era, pois, necessario que a quest?o da propriedade f?sse separada da quest?o da independencia: que se fizesse um movimento legal dentro da constitui??o, com o fim exclusivo de terminar os abusos dos land-lords, calando toda a ideia de arrancar a Irlanda ao Reino Unido. Ent?o haveria a certeza de que o povo inglez, vendo a quest?o agraria e os seus horrores, isoladamente, no seu relevo proprio, desembara?ada das declama??es rebeldes e das agita??es separatistas-determinasse dar a tantos males, e t?o antigos, um remedio radical. Foi isto que tentou a Liga Agraria.
Esta carta é longa: e apresentando esta formidavel entidade-a Liga Agraria, eu devo fazer como o illustre Ponson du Terrail, quando introduzia um novo personagem, o heroe providencial, n'um fim de folhetim: deixar a historia das suas fa?anhas, das suas virtudes e da sua belleza, com o interesse suspenso, até ao folhetim seguinte. N?o se esque?am que ficamos no momento em que, n'este palco da Historia Irlandesa subitamente apparece ao fundo, misteriosa e grave, a Liga Agraria.